terça-feira, 26 de julho de 2011

A PROPÓSITO DA MORTE DE AMY WINEHOUSE

Quando soube da morte desta cantora inglesa de certa maneira antevi quais seriam as manchetes e os comentários de quase todos os artefatos midiáticos sobre este acontecimento. Isso não advém de uma capacidade supra-humana de prever o futuro. Acontece que não é de hoje que a incompreensão acerca das tragédias de nossos tempos está presente nas falas da maioria dos comentadores de jornais, revistas e etc..
O primeiro problema e talvez central diz respeito ao fato de que estas pessoas estão demasiadamente imersos nesse modelo de vida burguês, do trabalha-compra-come-dorme, para entender aqueles que se aventuram numa vida mais rica de significados e realização, embora detentora de riscos e fatalidades.
É fato que nesse mundo sempre existiram diversos tipos de seres humanos. Os fazedores de coisas, os comerciantes, os loucos, os marginais, os sábios, os intelectuais e os poetas. A questão é que cada vez está mais difícil para os poetas, os visionários, os músicos e similares viver neste mundo entupetado de carros, lixo, selvas de pedras, ganância e poder. O mundo se transformou numa grande engrenagem onde quem não está disposto a ser um de seus parafusos é despejado como dejeto. O homem nunca teve tantas obrigações como na época atual. Os organismos internacionais, Ong´s e muitos outros institutos mostram que a humanidade hoje trabalha mais do que em muitos regimes escravocratas (por favor, não me entenda mal) e tem cada vez menos tempo para questões realmente importantes para a existência: o lazer, a criatividade, a diversão, os rituais e etc..
Por isso não compreendo quando a mídia fica discutindo a morte “prematura” de artistas e seres humanos em geral ocasionada pelo uso de substancias psicoativas culpando com isso apenas estas pessoas ou tais drogas. Não estou aqui defendendo o uso destas substancias, até porque sei o potencial destrutivo que tais psicotrópicos podem trazer à vida de um individuo. O que quero é chamar a atenção para o fato de que culpar a substancia pura e simplesmente por esses acontecimentos é a mesma coisa que culpar o machado pela queda da árvore.
Essa questão deveria ser discutida num nível bem mais complexo. Os humanos sempre utilizaram de artifícios para alterar a consciência, para se manter acordado, para dormir ou para o que lhe desse na telha, todos nós sabemos disso. Cachaças, fumos, chás e garrafadas fazem parte da história da humanidade tanto quanto as pessoas. Acontece que na época atual existem algumas peculiaridades que fazem toda a diferença. Estas substancias que tinham um sentido quando usadas outrora, hoje são comercializadas em larga escala têm um caráter profundamente destrutivo. Vejamos algumas nuances.
Primeiro. Todos aqueles que se sentem acuados, instintivamente, manifestam a busca pela fuga. É comum escutar relatos de viciados em drogas que falam que tinham tudo do ponto de vista financeiro e material, mas lhe faltava algo. Não é muito difícil perceber que este algo não está no dinheiro, não está num bom emprego, nem numa posição social confortável. Este algo está em outro lugar. Acontece que da forma como as coisas estão, com a rapidez que é exigida das pessoas, muitas não têm tempo de pensar, de conversar, de buscar aquilo que lhes falta: que é a poesia, a beleza, a melodia, um componente maior que permeia todos nós principalmente quando estamos juntos festejando. Como forma de anestesiar esta agonia muitos mergulham no universo destas substancias, que muitas vezes ou quase sempre não tem volta. Nesses tempos sombrios em que os poetas chegam a pensar que seus “heróis morreram de overdose e os inimigos estão no poder” (CAZUZA) é preciso entender a conjuntura do abismo para que possamos compreender a situação e poder assim fazer algo realmente eficiente e eficaz.
Segundo. O pior de tudo isso é que nesse sistema nefasto que é o capitalismo, onde tudo se transforma em mercadoria, inclusive as simbologias e os sentimentos, as drogas também são fonte de lucro e ajudam a movimentar o mercado. Veja a que ponto chegamos! Existe uma indústria global que sintetiza, distribui e altera essas substancias, potencializando e disseminando o vício. Aquelas substâncias que já eram poderosas, agora se tornaram incontroláveis na sua capacidade de agir nos neurotransmissores, alterar a realidade e viciar pessoas.
Uma coisa acaba alimentando a outra, por incrível que pareça. A um camarada que sofre as angustias de viver num mundo no qual não se encontra - pois a personalidade é construída, mas a centelha primordial nós trazemos conosco antes mesmo do primeiro choro -, é dado um falso remédio, que tem suas seduções.
Se você acha que isso que eu estou falando é pesado demais, é assombroso e coisa de louco, eu sinto muito em lhe informar que esse mundo também é seu meu velho, é nele que você está vivendo, e se você quiser realmente fazer alguma coisa tem que agir bem diferente do que você talvez esteja fazendo.
Estamos todos na corda bamba, por mais que muitos não percebam isso na sua corrida diária contra o tempo. Tempo que nós humanos e animais criamos na nossa interação com o meio, diga-se de passagem. Estamos sendo massacrados pela impessoalidade da engrenagem, pelo descaso do homem para com ele mesmo, pelo apego a uma corrida que não tem chegada e, portanto, não tem vencedores. Os nossos antepassados tribais é que estavam certos: a vida é feita para festejar, reverenciar os deuses que estão em todos nós e no cosmos e não para apertar parafuso e produzir discursos.
Portanto, Amy, assim como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Jim Morrison, Cássia Éller, Raul Seixas, Michael Jackson e muitos outros, são lampejos sintomáticos de uma época de caos, muito mais do que pessoas desajustadas que não sabiam o que era o bom da vida. Essas pessoas não se encaixaram na forma de vida que o mundo nos obriga a seguir, são estrelas que colapsaram para dentro de si mesmas por não poder irradiar toda a sua luminosidade. Meditemos sobre isto, para que não aconteça algo semelhante com nós mesmos, afinal as pessoas muitas vezes desenvolvem conflitos mentais devido à falta de um mínimo conhecimento acerca de si mesmos. Afinal, como disse Chico Science, outro cometa que passou por aqui, “esse corpo de lama que tu vê é apenas a imagem do que sou, esse corpo de lama que tu vê, é apenas a imagem é tu”. E como acredito que a arte é o melhor caminho encerro com arte:

“a gente não quer só comida
a gente quer comida, diversão e arte.
a gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer parte.
a gente não quer só comida,
a gente quer bebida, diversão, balé.
a gente não quer só comida,
a gente quer a vida como a vida quer
[...]
a gente não quer só comer,
a gente quer comer e quer fazer amor.
a gente não quer só comer,
a gente quer prazer pra aliviar a dor.
a gente não quer só dinheiro,
a gente quer dinheiro e felicidade.
a gente não quer só dinheiro,
a gente quer inteiro e não pela metade”.

Titãs, música Comida

Ritualizemos.
Fonte: Adaécio Lopes
www.aosvivosdailhadailusao.blogspot.com

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