A expansão da influência do Brasil na América do Sul começa a gerar um sentimento anti-brasileiro na região. Ao mesmo tempo em que o chamado consenso de Brasília é um modelo de sucesso econômico que os países da região querem emular, a crescente presença de empresas brasileiras nas nações vizinhas desperta desconfiança.O governo da província argentina de Mendoza acaba de suspender um projeto de exploração de potássio da Vale, com investimento de US$ 8 bilhões. O governo acusa a mineradora de não cumprir acordo para a utilização de fornecedores e mão de obra local --segundo o contrato, 75% dos serviços terceirizados e funcionários devem ser de Mendoza.
No Peru, o governo cancelou a licença para a construção da hidroelétrica de Inambari, a maior do país, a ser tocada pela OAS, Furnas e Eletrobras. A obra estava estimada em US$ 4.9 bilhões. Populações indígenas locais vinham protestando contra prováveis danos ambientais e acusavam o projeto de beneficiar somente o Brasil, que ficaria com cerca de 80% da energia gerada. Com isso, o governo de Alan García resolveu submeter a concessão a consulta popular.
Outros investimentos da Eletrobras em projetos de energia no país também podem ser paralisados e submetidos a consulta popular.
O congressista Daniel Abugattás, porta-voz do Gana Peru, o partido de Humala, afirmou recentemente à Folha: "Hidrelétricas na selva podem ser prioridade para o Brasil, mas não são prioridade para o Peru".
Para Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV, "existe uma percepção de que o Brasil em ascensão vai se comportar da mesma maneira que as potências coloniais tradicionais, como os EUA e Espanha."
"Esses países querem, sim, receber investimentos do Brasil, mas querem coibir abusos", diz Spektor. O presidente-eleito do Peru, Ollanta Humala, disse à Folha em abril. "Não queremos repetir com o Brasil o ditado mexicano que diz que a desgraça do México é estar tão longe de Deus e tão perto dos EUA."
'VAGÃO BRASILEIRO'
Para Spektor, o Brasil terá de ser muito mais cuidadoso para administrar as reações a sua expansão no continente. Para amenizar a hostilidade, investir em cooperação técnica é essencial, acredita. "Precisamos convencê-los de que eles têm mais a ganhar juntando-se ao vagão brasileiro do que se opondo."
Ele cita programas de bolsas no Brasil para estudantes da região, cooperação técnica em programas como Bolsa Família e combate ao crime. O modelo é semelhante ao que a China usa em sua vizinhança, com o ensino da língua e cultura chinesa, como forma de tranquilizar e conquistar os vizinhos. É bem diferente do tipo de expansão da China na África e América Latina, baseada em trocar crédito e investimentos por fornecimento de matérias primas.
"Só assim vão entender que não existe um projeto megalomaníaco juntando empresas brasileiras eo Itamaraty para dominar a região", diz.
O governo brasileiro quer convencer os vizinhos de o que o discurso de cooperação "sul-sul" é para valer. Ou seja: as iniciativas de cooperação técnica e de compartilhamento tecnológico não são medidas compensatórias para vencer resistências, mas passos de uma política de "desenvolvimento comum".
"A América do Sul é um espaço de acumulação das empresas, mas também é um espaço de legitimação da política externa brasileira", diz Pedro Barros, titular da missão do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) na Venezuela, o escritório pioneiro da instituição no exterior e uma das pontas de lança da estratégia oficial.
Ao visitar o Uruguai, no mês passado, a presidente Dilma Rousseff ressaltou que a integração entre os países não poderia se traduzir na aquisição, por parte das empresas brasileiras, de ativos uruguaios. Segundo ela, era preciso estimular acordos produtivos e de cooperação técnica.
O capital brasileiro está presente nos mais diversos setores da economia uruguaia, como na distribuição de gás em Montevidéu e região metropolitana, feita por uma empresa controlada pelo Petrobras, até na cerveja Patrícia, a mais popular, que pertence à Ambev.
TEMOR DE NEOIMPERIALISMO
A Argentina pós-crise de 2001 é o exemplo clássico do apetite brasileiro por ativos na região. A compra da tradicional cervejaria Quilmes pela gigante Ambev foi um desses momentos simbólicos de temor do neoimperialismo brasileiro.
Barros defende que o caminho para amenizar o desequilíbrio é a unificação de cadeias produtivas, como foi feito entre Brasil e Argentina no setor automobolístico.
"O Brasil tem um discurso de reduzir as assimetrias na região e ajudar os vizinhos a se desenvolverem, nos moldes do que foi feito na integração europeia", diz Ricardo Sennes, sócio-diretor da Prospectiva Consultoria. Mas, até agora, a estratégia não tem sido bem-sucedida. "O Brasil acaba transbordando sua economia para os países vizinhos de forma não organizada."]
Segundo Sennes, como muitas vezes as empresas brasileiras se expandem com ajuda do BNDES, ou são investimentos da Eletrobrás e Petrobrás, são braço do Estado, isso gera resistências.
Como disse recentemente o presidente da União Industrial Argentina, Jose Inacio de Mendiguren, em reunião com empresários. "Vou parar de defender as empresas argentinas quando a Argentina tiver seu BNDES".
Fonte:
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES

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