quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Metade da população do país, negros continuam em situação marginal na mídia

O dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, que celebra a morte deZumbi dos Palmares em 1695 como símbolo de resistência à escravidão, étradicionalmente marcado por marchas e protestos realizados pelomovimento negro. Este momento, utilizado para dar visibilidade aodebate sobre a igualdade racial no Brasil, é válido também para umareflexão sobre como esta questão é retratada nos meios de comunicação,das notícias às novelas, e qual é a influência que estes conteúdosgeram no imaginário popular em nosso país.Um dos exemplo mais gritantes é a afirmação de estereótipos existente nateledramaturgia brasileira. Resistem na TV as velhas situações deinferioridade impostas aos negros e negras: a doméstica, a mulatasambista, o malandro delinqüente. Mais recentemente, o políticocorrupto da novela “A Favorita” da Rede Globo surgiu para “comprovar” adoutrina da emissora de que a ascensão social pela iniciativaindividual é possível, mas que mau-caratismo não tem cor, mesmo que umsó exemplo baste. É, de qualquer maneira, sintomático que os rostos vistos nos telejornais e programas deauditório sejam quase sempre brancos. “O dado é que existe umainvisibilidade do negro nos meios de comunicação”, afirma MárcioAlexandre Gualberto, militante do Coletivo de Entidades Negras do Riode Janeiro. A resposta das emissoras – que operam em regime deconcessão pública, nunca é demais lembrar – à demanda dos negros enegras, quase metade da população do país, refere-se a casos deintegrantes deste segmento em posição de destaque, como os jornalistasGlória Maria e Heraldo Pereira, trajetórias que podem ser consideradascomo exceções que servem apenas de confirmação à regra. Segregação simbólicaPara Dennis de Oliveira, professor da Escola de Comunicações e Artes da USPe membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre oNegro, há no país uma “segregação simbólica”, ou seja, tolera-se apresença do negro em atividades lúdicas como esporte, dança e músicacomo uma forma de compensação por sua ausência em outros espaços. “Oresultado é justamente a criação de estereótipos”, diz o docente.“Quem entrega a pizza na propaganda é sempre um negro. Queremos que todossejam tratados iguais”, afirma Gláucia Matos, militante da Fala Preta!- Organização de Mulheres Negras. Segundo ela, o conteúdo dospersonagens negros tem uma tendência à desvalorização, sobretudo nocaso das mulheres. “Nas crônicas policiais, o branco é sempre retratadocomo classe média, enquanto o negro é visto como marginal”, concordaMárcio Gualberto. “Além disso, na TV, quando a vitima é negra, suareação é sempre pela vitimização ou pela superação, mas nunca adenúncia”, acrescenta Dennis de Oliveira.Esta segregação tem tamanho poder que atinge a imagem que os negros têm desi próprios. Em 1932, Castro Barbosa cantava a marchinha “O teu cabelonão nega”, composição de Lamartine Babo até hoje executada nos blocoscarnavalescos. “Mas como a cor não pega, mulata, mulata eu quero teuamor” é a mensagem passada pela música. Desde então, as piadaspejorativas relativas ao cabelo crespo típico da raça negra nãocessaram. Gualberto conta que é comum que os negros passem em algummomento pela “crise do cabelo”.Isso acontece, diz ele, porque a idéia de belo reproduzida pela mídia éjustamente o padrão europeu. “É como o negro que fica rico e se casacom uma loira. Esta é a lógica do vencedor imposta pelos meios decomunicação”. Gláucia Matos conta que o movimento negro inclusive jáprocessou a marca de palhas de aço Assolan por associar seu produto aocabelo crespo de maneira pejorativa.Preconceito veladoNo último dia 2 de novembro, o inglês Lewis Hamilton não ganhou a etapa deSão Paulo da Fórmula 1, mas levou o título do campeonato vencendojustamente um brasileiro. Primeiro negro a conquistar a principalcategoria do automobilismo mundial, Hamilton e familiares sofreram umracismo que não acreditavam encontrar por aqui. As manifestações foramexaustivamente reproduzidas pela imprensa européia, mas no Brasil arepercussão foi quase nula, revelando a omissão da mídia nativa emdenunciar o preconceito de seus cidadãos.Para Márcio Gualberto, para além da presença física na teledramaturgia ou napublicidade, existe nos meios de comunicação em geral, sobretudo nojornalismo, “incapacidade, indiferença e má vontade” para lidar com aquestão do preconceito racial. Gláucia Matos acredita que este cenáriose refere ao papel da mídia em manter o preconceito. “Existem inúmeroscasos de racismo nos tribunais. Os jornais também não dizem que amaioria dos jovens assassinados no país são negros”, afirma.Admissão de culpaO sociólogo brasileiro Florestan Fernandes dizia que a característicamais marcante do racista brasileiro é a de não se considerar racista. Amelhor tradução prática dessa afirmação surge em “Não Somos Racistas”,livro de Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo. “Aomesmo tempo em que admite que existem diferenças, diz que é precisoignorá-las para não criar uma divisão no país. É algo paranóico”,comenta Gualberto.Na avaliação de Dennis de Oliveira, a mídia insiste que o racismo no Brasil não tem um carátersistêmico, abordando a questão sempre pela ótica individual. “A ação damídia é sempre no sentido de minorar a questão, tirando-lhe a seriedadepara que não entre na agenda [pública].”O professor aponta que a única forma de superação do preconceito nosmeios de comunicação seria o movimento negro se organizar paraconstruir mídias alternativas. Gláucia Matos afirma que existemconquistas por conta da atuação do movimento, que tem monitorado edenunciado com maior rigor. “Mas no que depender da mídia”, diz ela,“ainda falta muito.”

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