segunda-feira, 1 de junho de 2020

O PRATO FRIO QUE AINDA SE HÁ DE COMER

Primeiramente, acho que está rolando uma confusão com relação a duas iniciativas simultâneas, ambas contrárias a bolsonaro e seu governo fascista, e que ganharam força ontem. 

Uma delas é o manifesto Estamos Juntos (a tag é Estamos #Juntos), cujo conteúdo está publicado em um site na internet e parece ter surgido a partir da uma ideia da Mariana Kostcho que, por sua vez, não reinvidica a autoria e afirma que o manifesto não tem um dono, mas deve servir como uma espécie de frente ampla contra os desmandos que o país tem observado. 

A outra é basicamente apenas uma hashtag e foi sugerida pelo economista Eduardo Moreira em uma live, a partir dos resultados das mais recentes pesquisas de satisfação com o governo bolsonaro. A hashtag #Somos70porCento (alguns já estão usando #Somos70%) acabou ganhando força como forma de demonstrar que o percentual de insatisfeitos é a maioria absoluta sobre os 30% que ainda se declaram apoiadores deste governo. 

Não sei se há alguma intenção de convergir as duas iniciativas - manifesto Estamos #Juntos e hashtag #Somos70porCento - em uma única plataforma popular de repulsa a bolsonaro. Me parece uma boa ideia, mas não tenho conhecimento se há alguém trabalhando nesse sentido. 

Em ambos os casos há adesão de muitos apoioadores do golpe que derrubou o governo Dilma, ex-apoiadores declarados de bolsonaro agora arrependidos, muita gente que agiu com extrema má-fé na demonização da esquerda, em particular do PT, de Lula e de Dilma e muitos oportunistas também que ficaram desde sempre em cima do muro e que agora resolveram pegar carona na luta contra o fascismo bolsonarista. 

O próprio Eduardo Moreira, criador da hashtag dos 70%, é um ex-coxinha que foi às manifestações de 2014/15 contra Dilma de camisa amarela e tudo (há vários registros em vídeo) e que já de um bom tempo demonstrou arrependimento sincero, ainda que nós saibamos o que ele fez no verão passado (ou talvez no retrasado vai). 

Há de tudo entre os signatários do manifesto e entre os que publicam orgulhosos a hashtag dos 70%. Jornalistas golpistas aloprados, defensores da economia neoliberal, gente que não se acanhou de posar e participar ativamente de eventos e manifestações de grupos protofascistas como Vem Pra Rua, Nas Ruas e MBL, artistas e intelectuais que usavam de suas visibilidades públicas, cada um em seu segmento, para bater e com isso estimular o linchamento da esquerda e do PT. Há inclusive muita gente oportunista que sempre se disse de esquerda ou que de uns anos pra cá se declarou como sendo de esquerda desde criancinha. 

O resumo da ópera é que entre os que compõem estes dois grupos existe farto material ali que não vale uma nota de três reais. 

Essa turma não é a minha turma. Não pretendo abraçar nenhum deles. Não me vejo de mãos dadas com eles. Não os quero ao meu lado, mas preciso pensar menos com o fígado e mais com a cabeça. Eu, nós, precisamos deles para compor uma frente com um propósito bastante específico, limitado até, mas que é nossa maior urgência, dada a atual circunstância. 

O governo bolsonaro e sua base de apoio, que inclui seus propagandistas, ministros, os filhos do presidente, sua base parlamentar, parte dos milicos e todo o contingente de milicianos, escroques, nazistas, fascistas, racistas, pseudocrentes e toda a sorte de gente aloprada e com sérios desvios de caráter e de comportamento, o que compõe os tais 30% de apoiadores, está radicalizando o discurso, cometendo abusos no campo jurídico, político, ético e comportamental. 

As declarações e, muito pior, as ações de bolsonaro e seu time nestas últimas semanas apontam para uma intransigência e desobediência ampla, total e irrestrita à lei, às instituições e à democracia. Esse sempre foi o objetivo de bolsonaro e seu time. Até aí não há novidade. São limítrofes. Não possuem preparo suficiente para ocupar cargos públicos que exigem competência e comprometimento. Boa parte são escroques mesmo, gente oriunda dos mais baixos subterrâneos da sociedade, outros são fundamentalistas idiotizados e em permanente surto psicótico. Essa é a turma que, em conjunto com agentes privados poderosos, tenta aniquilar o país, vender nossas riquezas, seguir se locupletando, beneficiados por um clientelismo de compadrio e corrupto. Nunca se viu tamanha desfaçatez na manipulação e aparelhamento da coisa pública para servir a propósitos personalistas de um lado e privados de outro, em toda nossa história. 

E quem disse que um manifesto ruim, nada propositivo, com um texto aberto e generalista e uma hashtag vão fazer a mudança?

Não vão, mas considerando que é importante o reconhecimento de quantos estão realmente dispostos a ir até o fim para que essa primeira e mais urgente mudança possa se processar, ambos são relevantes. Afinal, nessa guerra de narrativas dentro do espaço de disputa política, que agora é massivamente digital e que, apesar de não ser nada novo é mal dominado pela esquerda até o momento, também precisamos estabelecer uma política de conquista de território. 

Isso quer dizer que devemos todos começar a ouvir as músicas do Lobão, ver o Caldeirão do Huck aos sábados, assistir aos vídeos do Felipe Neto, ler e concordar bovinamente com tudo o que o Reinaldo Azevedo escreve e diz, comprar os livros do Cristovam Buarque e tirar fotos com o Gabeira? 

Claro que não! Muito menos isso quer dizer que se deva concordar com qualquer um deles sobre o que fizeram, pensaram ou que ainda fazem e pensam sobre quaisquer outras questões que não sejam a luta par derrubar o fascismo bolsonarista. 

Por hora basta ignorá-los solenemente e procurar entre as pessoas que assinaram o manifesto e que estão postando a hashtag, por muitos outros nomes, mas muitos mesmo. Você irá notar que há por lá gente muito melhor para fazer tudo isso. 

Sem ufanismos. Não são amigos pelo simples fato de serem inimigos do meu inimigo. Muitos ali, se não são também inimigos, são no mínimo adversários (e em certos casos não só no campo político). Nesse momento, em que consolidar uma maioria para combater o projeto fascista e boçal bolsonarista é a nossa grande urgência, eles nos são é muito úteis, isso sim. 

E digo isso com a maior tranquilidade, apesar de admitir que também não foi fácil para mim assinar o manifesto vendo alguns nomes que ali constavam, como também não tem sido lá muito confortável usar a hashtag dos 70% lembrando que há pessoas ali que não comungam de nenhuma crença sequer comigo, zero, nenhuma minha, acho que nem mesmo na crença de que o fascismo é nosso maior inimigo. 

#Somos70porCento, mas não sou seu amigo. 
Estamos #Juntos, mas não chega perto!
*TEXTO DE JOSÉ BULCÃO.

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