A cearense Luma Andrade será a primeira travesti do
Brasil a apresentar uma tese de doutorado, segundo informa a ABGLT (Associação
Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros).
Graduada em ciências naturais pela Uece (Universidade Estadual do Ceará) e com
mestrado na área do desenvolvimento do meio ambiente pela UFRN (Universidade
Federal do Rio Grande do Norte), agora, aos 35 anos, ela é doutoranda em
educação pela UFC (Universidade Federal do Ceará).
Para obter o título de doutora, ela se inspirou na
própria realidade e produziu um estudo baseado no acesso das travestis
(homossexuais que se vestem como mulheres) cearenses à educação. “Pude
constatar que está havendo um aumento do acesso e também da procura pela
escola, mas ainda há resistências como a discriminação, bullying e a
marginalização”, disse ao UOL Educação por telefone.
Cearense é a primeira travesti a
apresentar tese de doutorado no país
Resistência, aliás, é uma palavra ou até mesmo um
sentimento muito conhecido por Luma. “Desde os oito anos de idade que convivo
com isso. Já cheguei a apanhar na escola e ouvir da professora que era bem
feito”, contou.
Mesmo assim, ela disse que focou a atenção para os
estudos e usou sua aptidão para as ciências exatas como uma aliada na conquista
de amigos e de respeito dos colegas. “Eu sabia matemática e fiz com que isso me
ajudasse. Passei a dar aulas para os colegas e eles passaram a ser meus
amigos”, disse.
Em casa ela usou a mesma estratégia de focar a
atenção para os estudos, na hora de responder os questionamentos dos pais, dois
agricultores analfabetos que não a discriminavam, mas sempre perguntavam por
uma namorada, principalmente no período da adolescência.
Já adulta, chegou a ir, nos primeiros dias, para o
campus da Uece, no município de Limoeiro do Norte, onde concluiu a graduação,
vestida com roupas masculinas para evitar situações de preconceito e
constrangimento, mas a estratégia não deu certo. No primeiro dia de aula, ela
conta que foi uma chacota geral, mas, depois que resolveu usar roupas
femininas, as pessoas a conheceram melhor e ela começou a ser aceita. “De
início foi uma decepção, pois achava que na universidade as pessoas eram mais
maduras”, disse.
Início na vida profissional foi
marcado por dificuldades
Depois de formada, Luma recebeu o convite de um
ex-professor da faculdade para dar aula em uma escola, mas o que parecia ser
uma grande oportunidade, na verdade foi um grande teste.
“Era terrível, os dirigentes e outros professores
ficavam atrás das portas assistindo à minha aula. Os alunos também ficavam
rindo e muitos gritavam: gay, viado (sic), dentre outros palavrões. No fundo,
eles achavam que a minha aula (de ciências naturais) ia ser uma palhaçada, mas
sempre no primeiro dia, eu contava a minha história de vida e ganhava fãs e
aliados. Eles também são pobres, nordestinos e sonham com dias melhores. “Além
disso, sempre mantive postura, seriedade para lecionar, o que foi fundamental
para adquirir o respeito de alunos e colegas”, completa.
Saiba as diferenças
Travesti
|
Pessoa
que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero
oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele
imposto pela sociedade. Utiliza-se o artigo definido feminino “A” para falar
da Travesti (aquela que possui seios, corpo, vestimentas, cabelos, e formas
femininas).
|
Homossexual
|
É a
pessoa que se sente atraída sexual, emocional ou afetivamente por pessoas do
mesmo sexo/gênero.
|
Bissexual
|
É a
pessoa que se relaciona afetiva e sexualmente com pessoas de ambos os
sexos/gêneros. Bi é uma forma reduzida de falar de pessoas bissexuais
|
Heterossexual
|
Indivíduo
amorosamente, fisicamente e afetivamente atraído por pessoas do sexo/gênero
oposto. Heterossexuais não precisam, necessariamente, terem tido experiências
sexuais com pessoas do outro sexo/gênero para se identificarem como tal.
|
Lésbica
|
Mulher
que é atraída afetivamente e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo/gênero.
Não precisam ter tido, necessariamente, experiências sexuais com outras
mulheres para se identificarem como lésbicas.
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Drag Queen
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Homem
que se veste com roupas femininas de forma satírica e extravagante para o
exercício da profissão em shows e outros eventos. Uma drag queen não deixa de
ser um tipo de “transformista” (consultar abaixo o termo), pois o uso das
roupas está ligado a questões artísticas – a diferença é que a produção
necessariamente focaliza o humor, o exagero.
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Transexual
|
Pessoa
que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no
nascimento. Homens e mulheres transexuais podem manifestar o desejo de se
submeterem a intervenções médico-cirúrgicas para realizarem a adequação dos
seus atributos físicos de nascença (inclusive genitais) a sua identidade de
gênero constituída.
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Transformista
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Indivíduo
que se veste com roupas do gênero oposto movido por questões artísticas.
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Transgênero
|
Terminologia
utilizada para descrever pessoas que transitam entre os gêneros. São pessoas
cuja identidade de gênero transcende as definições convencionais de
sexualidade.
|
- Fonte: Manual de Comunicação LGBT da Associação Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros
Depois de conquistar estabilidade e ser aprovada em
concurso público na área de Educação, Luma passou na seleção de um mestrado em
Mossoró, no Rio Grande do Norte, e a cidade cearense mais próxima era Aracati.
“Começou tudo de novo, tive que voltar à estaca zero”, disse Luma que precisou
pedir uma intervenção da Secretaria Estadual da Educação do Ceará para ser
admitida em concurso que havia sido a única pessoa a ser aprovada. “A minha
nomeação era sempre protelada sem que um motivo fosse alegado".
Anos depois, em 2005, desenvolveu o projeto
“Intimamente Mulher” que incentivava alunas e professoras a fazer exames de
prevenção que lhe rendeu o primeiro lugar no Estado e um prêmio no Ministério
da Educação.
Atualmente, Luma está casada com um professor de
História, realiza palestras, é constantemente convidada para ser madrinha de
formaturas e passeatas, além de presidir a Associação Russana de Diversidade
Humana, na cidade de Russas, a 165 km de Fortaleza.
Tese de doutorado
Essas e outras barreiras enfrentadas por travestis
foram relatadas na tese da doutoranda, que aponta alguns entraves enfrentados
por travestis nos ensinos médio, fundamental e superior. “Uma coisa é o nome,
onde muitos professores fazem questão de gerar um constrangimento as chamando
pelo nome de batismo, outra é a utilização do banheiro, onde somos obrigadas a
usar os sanitários masculinos, o que é muito desagradável, pois as travestis
acabam sendo vítimas de muita gozação, agressões físicas, tentativas de estupro
e isso tudo faz com que elas deixem a escola”, disse ela que há dois anos
conseguiu mudar os documentos e abandonar o antigo nome de João.
O uso do banheiro por parte das travestis é um dos
capítulos da tese de Luma. Ela disse que prendia a urina e só ia ao banheiro
depois que chegava em casa, o que lhe rendeu, à época dores abdominais,
dilatação da bexiga, além do desconforto no momento em que assistia a aula.
“Muitas vezes eu perdia a concentração”, resume.
Realidades diferentes no interior
e nos grandes centros
Na apuração para a produção da tese de doutorado,
Luma Andrade, estudou 95 casos em todo o Ceará, mas três cidades tiveram maior
destaque: Fortaleza, Russas e Tabuleiro do Norte. Nos municípios, ela encontrou
duas realidades diferentes.
Na capital, mesmo com uma maior oferta de
estabelecimentos educacionais, as travestis quase não têm acesso à educação e a
maioria se concentra em zonas de prostituição no centro e na orla da cidade. Já
em Russas e em Tabuleiro do Norte, ela acompanhou de perto a história de três
travestis que freqüentavam aulas em escolas de ensino fundamental e médio. “Por
incrível que pareça, no interior elas são mais acolhidas e o preconceito é
menor, pois elas conseguem viver no ambiente da família, sem precisar se
prostituir. É possível ver travestis trabalhando no comércio como vendedoras e
em diversas atividades”, observa.
Outra coisa que chamou a atenção da doutoranda foi
o fato de muitos dirigentes escolares e educadores não saberem distinguir uma
travesti de um homossexual. Segundo o manual de comunicação da Associação
Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros
(ABGLT), "um travesti é a pessoa que nasce do sexo masculino ou
feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico,
assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade". Já
um homossexual é, segundo o documento, "a pessoa que se sente atraída
sexual, emocional ou afetivamente por pessoas do mesmo sexo/gênero".
Fonte: Gabriel Carvalho
Do UOL, em Salvador
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