Paralisação de operários fez parte de movimento que culminou na
aprovação da legislação trabalhista
Marcha para o enterro de José Ineguez Martinez,
operário espanhol morto pela polícia e mártir da Greve Geral de 1917.
A proibição do trabalho de menores de 14 anos foi consagrada no país em
1943, com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Assim como o pagamento de
50% no caso de horas extras. Essas demandas, entretanto, já faziam parte das
reivindicações do movimento operário no Brasil desde o início de século 20.
Essas foram algumas das bandeiras da primeira Greve Geral realizada no
país, que completa cem anos no mês de julho. Além de questões relacionadas
ao ambiente fabril, o movimento operário também pautava assuntos como o
controle de preços de alimentos e dos aluguéis.
Localizada principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, a paralisação
de 1917 durou mais de um mês e não foi pensada originalmente para ter um
caráter geral. Em tempos em que a questão social era tratada como questão de
polícia, um dos estopins da generalização da greve foi a morte do operário
espanhol José Ineguez Martinez, causada pelas forças policiais.
O enterro de Ineguez ocorreu no Cemitério do Araçá, zona oeste da
capital paulista. No dia, milhares de operários atravessaram a cidade ao
realizarem uma marcha de bairros da região leste – como Mooca e Belenzinho –
até o local.
Para Armando Boito, professor de Ciência Política da Unicamp e estudioso
do mundo sindical, a Greve Geral de 1917 é um exemplo e nos ajuda a
desmistificar a origem dos direitos trabalhistas. Segundo ele, as condições do
movimento sindical – formado por imigrantes que sequer compartilhavam a língua
- eram muito mais difíceis que as de hoje. “ No caso do Brasil da Primeira
República, há um fator que diferencia demais a classe operária: a língua.
Dificultava a unificação. Além disso, havia disparidades muito grandes no que
diz respeito, por exemplo, à remuneração”.
Além desta heterogeneidade, as condições políticas não eram favoráveis
aos operários.
“A classe operária não tinha nem direito a voto. Era muito perseguida
politicamente. As lideranças eram banidas para estados distantes do Brasil, ou
expulsas para seus países de origem. Era muito difícil fazer sindicalismo na
Primeira República. Apesar disso, os anarcossindicalistas conseguiram colocar
em pé o movimento operário, fundaram a Confederação Operária Brasileira em 1906
e organizaram muitas greves”, diz.
O cientista político entende que a classe operária, em algum grau,
sempre foi complexa e dividida em todos os países, citando como exemplo a
descrição feita pelo historiador britânico Eric Hobsbawn sobre os trabalhadores
europeus.
“Como é possível que uma classe tão heterogênea, no nível linguístico,
nas condições de trabalho e de remuneração consiga se unificar? Na verdade, foi
o movimento operário que criou a ideia e a realidade da classe operária, e não
o contrário. É a luta que unifica”, defende.
Boito lembra que a mobilização operária continuou após a Revolução de
1930, inclusive por meio da Aliança Nacional Libertadora, que chegou a ter mais
de 500 mil militantes no país. Foi nesse contexto que o então presidente
Getúlio Vargas – que também precisava de apoio contra a reação da oligarquia
cafeeira - aprovou a legislação trabalhista.
“Vargas sempre apresentou os direitos trabalhistas que vão sendo
estabelecidos em seu governo, e finalmente consolidados na CLT de 1943 como uma
dádiva do Estado brasileiro, subliminarmente, dele próprio. Isso é mitologia.
Quando o governo o Vargas estabelece direitos ele está respondendo a uma
pressão real que existe desde o início do século 20 e que se acumulou
ao longo das décadas de 10, 20 e 30”, aponta. Nesse contexto, a
disputa entre Vargas e as elites cafeeiras teria aberto uma brecha que
potencializou as demandas operárias.
Presente
O papel das greves continuou marcando a história do Brasil. Luiz
Ribeiro, técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), cita, por exemplo, o papel do movimento sindical na
redemocratização do país após a Ditadura Militar.
"A greve é um dos principais instrumentos do trabalhador para se
fazer ouvir e expressar suas reivindicações. Quando recuperamos a história de
conquista de direito se percebe que, na origem - por exemplo, redução da
jornada, garantir piso e salário mínimo - há um movimento grevista. Olhando os
processos políticos, como a redemocratização, as greves tiveram um papel
essencial", afirma.
Ribeiro explica que há, basicamente, dois tipos de greves: as defensivas
e as propositivas.
“Na década de 90 eram muito mais defensivas, para manter direitos
ou para que a lei fosse cumprida. A partir de 2003, há uma estabilização do
número de greves e elas passam a ter uma característica bem própria: são
propositivas, ou seja, que visam ampliação de direitos ou conquistas
salariais”, aponta. A explicação para o fenômeno mais recente, entre outros
fatores, foi a oferta de vagas, que criava uma tendência em direção ao pleno
emprego, favorecendo a luta sindical.
No entanto, para Ribeiro, a próxima greve geral que está sendo puxada
pelas centrais sindicais para o próximo dia 28 de abril foge dessa
classificação. Na pauta deste ano estão a denúncia das alterações das
regras da Previdência - que adia aposentadorias e diminui benefícios - e a
defesa de direitos trabalhistas, muitos deles conquistados por meio da luta que
tem como marco 1917.
“Nós consideramos a greve chamada para o dia 28 como política, porque
reivindica a defesa de direitos universais, de toda a classe trabalhadora. A
greve geralmente se relaciona de forma direta com uma empresa. A greve política
transcende essa relação imediata, envolve os grandes temas nacionais”, analisa.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque