Parece incrível, mas em vez de enfrentarmos o
gravíssimo problema do desemprego e a péssima distribuição de renda no país,
estamos às voltas com uma nova Reforma da Previdência.
No governo FHC, desde 95, esse assunto foi
martelado, anos a fio, pelas TVs, rádios e jornais, citando que a previdência
social estava quebrada, sendo necessário reformá-la. O Congresso Nacional
aprovou em 1998 a emenda Constitucional 20, contra o voto do PT. Essa reforma
atingiu particularmente, os trabalhadores da iniciativa privada (INSS). FHC,
que chamou os aposentados de vagabundos, endureceu as condições de acesso aos
benefícios e impôs maiores sacrifícios aos trabalhadores ativos. Dentro do saco
de maldades daquela reforma, estava a substituição do tempo de serviço por
tempo de contribuição, extinção das aposentadorias proporcionais, exigência de
idade mínima (48 anos, mulheres e 53 anos, homens), além de introduzir um
complicado fator previdenciário para baixar os valores dos benefícios. E mais,
os salários de referência foram defasados em relação ao salário mínimo,
reduzindo sensivelmente o teto dos benefícios.
Mal se inicia o nosso governo, os meios de
comunicação alardeiam novamente a quebra da Previdência, mirando, dessa vez, os
trabalhadores do setor público, acusados de privilegiados. A proposta enviada
ao Congresso pelo governo Lula atinge direitos dos servidores públicos com
corte de benefícios e mudanças de regras. Entre elas, a cobrança dos inativos
(acima de R$ 1.058,00) em 11%, redução das futuras pensões que só poderão
atingir até 70%de seu valor, aumento da idade mínima dos atuais servidores para
60 anos se homem e 55 anos se mulher para se aposentar, o que pode levar a
redução de aposentadorias entre 5% e 35% para quem optar pelas regras antigas
(48 anos, mulher e 53 anos, homem). Além disso, para os futuros servidores fica
estabelecido um beneficio máximo de R$ 2.400,00, igual ao teto do INSS, que foi
elevado a este valor. A partir desse teto, os servidores que quiserem um
benefício mais alto devem contribuir com um fundo de pensão complementar,
privado.
Era nossa expectativa que uma verdadeira Reforma da
Previdência viesse para combater a falta de proteção social de 40 milhões de
brasileiros ou elevar o teto do Regime Geral da Previdência Social (INSS), onde
mais de 60% só recebem um salário mínimo. Acontece que os recursos que se quer
economizar, ferindo direitos, fazendo cortes e protelando a aposentadoria dos
servidores, não resolvem o problema econômico da previdência do setor público e
serão utilizados não para melhorar as aposentadorias do INSS, mas para pagar
juros da divida pública com os banqueiros.
Para acabar com alguns supersalários no
funcionalismo, basta estabelecer um teto geral para aposentarias que garanta
atratividade para se trabalhar no serviço público e seja defensável na
sociedade. Nesse sentido, tanto salários quanto aposentadorias, devem assegurar
que bons profissionais se mantenham no serviço público, garantindo qualidade de
atendimento e eficiência da máquina governamental. O que não podemos aceitar é
que os servidores, em sua maioria ganhando mal, sejam chamados de marajás.
Temos que pensar, inclusive, que os maiores prejudicados com o sucateamento do
atendimento às necessidades da população são exatamente os trabalhadores de
menor renda ou sem renda que necessitam do Hospital Público e da Escola
Pública.
Vale esclarecer, também, que não há
"rombo" ou "déficit", como se repete insistentemente na
mídia, nem no Regime Geral de Previdência Social (INSS), muito menos no Regime
Próprio dos Servidores Públicos (RPSP). No primeiro caso, os gastos com
aposentadorias, pensões e outros benefícios dos trabalhadores com carteira
assinada, somados a todas as despesas públicas com Saúde e Assistência Social,
são cobertos com contribuições recolhidas sobre o faturamento e o lucro das
empresas (COFINS, CSLL), a CPMF, loterias e as contribuições dos trabalhadores
e da patronal, formando o orçamento da Seguridade Social, previsto na Constituição
Federal. Nessa conta, entre receita e despesas, sobram R$ 32 bilhões (2002),
superávit que vai para o Tesouro Nacional. No caso do funcionalismo, nunca
existiu um Sistema, ele é essencialmente administrativo. Os servidores
contribuem com 11% sobre o total dos seus vencimentos, mas só a partir da
década de 90. O Estado, por sua vez, não faz a contrapartida como os patrões o
fazem no setor privado. O Tesouro paga as aposentadorias com arrecadação de
impostos como faz com a educação e outras despesas. O que se exibe como déficit
é a diferença entre a contribuição dos servidores e o gasto com aposentadorias
e pensões (que seria 39 bilhões de reais/ano). Se o governo quer economizar R$
2 bilhões/ano com a reforma, cortando benefícios e suprimindo direitos, fica
claro que ela não resolve, em absoluto, o suposto "rombo". Se existe
esse desequilíbrio não é culpa dos servidores, e sim dos sucessivos governos
que não criaram um Sistema de Aposentadorias do Setor Público. Pelo contrário,
quando os trabalhadores só contribuíam e ninguém ainda era aposentado,
formou-se um Fundo Público que foi utilizado para outras finalidades como a
ponte Rio-Niterói, Transamazônica, empresas estatais e diversas obras,
deixando, ao longo do tempo, os trabalhadores na mão. Esse "Fundo"
deveria ter, atualmente, em caixa cerca de R$ 822 bilhões. Por essas e por
outras, a situação da previdência é problemática, mas não é explosiva ou está
fora de controle.
Para se buscar maior equilíbrio entre contribuições
e benefícios do INSS (este ano o desequilíbrio chega a R$ 26 bilhões) temos que
ter crescimento econômico no país, atacando o desemprego e a informalidade no
trabalho, aumentando a arrecadação da previdência, cobrando as dívidas das
empresas e governos, estimadas em R$153 bilhões à Previdência, acabando com as
isenções de entidades "filantrópicas" (faculdades particulares,
altamente lucrativas, clubes de futebol...) por onde escoam R$ 12 bilhões ao
ano.
No setor público, as condições que possibilitaram a
aposentadoria de cerca de 250 mil servidores com a passagem da maioria dos
funcionários que eram celetistas para estatutários, através do Regime Jurídico
Único (RJU) e causaram um grande desequilíbrio, não mais se repetirão. De 1989
para cá o Estado brasileiro tem sido duramente enxugado dentro da lógica
neoliberal do Estado Mínimo. Tanto é assim, que nos últimos 13 anos caiu em 150
mil o número de servidores públicos federais. E, apesar de ter crescido,
obviamente, o de aposentados, caiu o gasto com aposentadorias e pensões, em relação
ao PIB e à receita líquida de impostos. O fato do governo FHC ter brecado
drasticamente a contratação de novos servidores também explica bem a redução
das contribuições e o aumento do "déficit", em prejuízo da qualidade
dos serviços públicos e da arrecadação cobrada aos servidores.
Além do que, se forem implementados os Fundos de
Pensão no setor Público para os novos servidores, a despesa da União, Estados e
Municípios tendem a aumentar pelo menos num primeiro momento. Os governos
precisam contribuir com os Fundos na mesma proporção dos servidores (1x1) e os
tesouros da União, Estados e Municípios deixam de arrecadar sobre o total dos
vencimentos dos servidores que ganham mais de R$ 2.400/mês.
Mais grave ainda é o que vem ocorrendo e tende a se
acelerar se for mantida esta Reforma, é uma corrida à aposentadoria imediata de
quem já alcançou as condições de se aposentar pelas regras atuais e tem
direitos adquiridos. Na esfera federal 102 mil servidores já reúnem condições
de requerer o benefício. O que pode levar a um aumento de gastos de R$ 3
bilhões/ano. Ou seja, 50% a mais do que o governo pretende arrecadar por ano
com a Reforma. Isto sem contar o prejuízo de se aposentar precocemente 25% dos
quadros mais experientes do Estado e a baixa possibilidade de contratação de
novos servidores na lógica do ajuste fiscal.
Fica claro, assim, pela complexidade do tema, pelo
impacto na vida pessoal de milhões de brasileiros e suas famílias e por influir
na qualidade dos serviços públicos atingindo toda a população, que uma Reforma
da Previdência não pode ser feita com pressa e açodamento. Mais do que isso,
nosso governo não pode aceitar as pressões do capital financeiro e do FMI por
mais ajuste fiscal cortando direitos dos servidores e pela criação de Fundos de
Pensão para os futuros servidores que representarão na prática aumento de
transferência de recursos do Estado e dos servidores para o mercado financeiro,
sem nenhuma garantia que a especulação financeira não devorará a aposentadoria
dos futuros servidores públicos.
Não se pode aceitar, também, pressões que vem dos
governadores que querem fazer Reforma Tributária via Reforma da Previdência.
Enquanto isso grandes empresários, banqueiros e latifundiários, que exigem
sacrifícios dos servidores e batem bumbo pela Reforma da Previdência, sonegam
impostos e são beneficiados com isenções e renunciais fiscais. Daí a
importância de fazermos primeiro uma Reforma Tributária que penalize os ricos.
Portanto, nosso mandato tem afirmado categoricamente que esta Reforma da
Previdência não interessa ao povo brasileiro. Ela trabalha no sentido de
desarticular o Estado e desestimula o trabalho no setor público, piorando a
qualidade do seu atendimento. Ela não resolve qualquer problema financeiro da
Previdência, atende fundamentalmente aos interesses do capital financeiro que
domina os meios de comunicação, todos favoráveis à Reforma. A Reforma que
interessa ao povo brasileiro não é para jogar pobres contra remediados ou
trabalhadores do setor privado contra trabalhadores do setor público. Deve ser
para unificar os trabalhadores contra os ganhos fabulosos dos bancos e do setor
financeiro que inviabilizam o desenvolvimento econômico, a geração de empregos
e a distribuição de renda. Só no ano passado, o país sangrou em R$ 120 bilhões,
economizados para pagar juros e amortizações da divida pública interna e
externa. Dívida que quanto mais pagamos, mais se avoluma.
Finalmente, não podemos trabalhar com uma Reforma
da Previdência que questiona a coerência dos petistas e seus deputados que na
gestão FHC votaram 3 vezes contra, entre outras coisas, a cobrança dos
aposentados. Sendo assim, afirmamos a necessidade de mudanças imediatas e
radicais dessa Reforma que deixa o nosso governo com a cara da continuidade e
não da mudança tão ansiada pelo povo brasileiro.
FONTE: IVAN VALENTE