domingo, 23 de novembro de 2014

De gata borralheira a soberana: a sociologia e o efeito ENEM

Aconteceu de novo. Nem posso dizer que fui pego de surpresa. Eu já sabia! Ao folhear a prova de ciências humanas e suas tecnologias do Enem 2014 (aplicada no último sábado), percebi como a sociologia está a cada ano mais presente nesta avaliação, chegando a figurar em pelo menos 80% das questões elaboradas. Mas, apesar de ficar muito feliz com isso, faço mais uma vez críticas - e busco algumas respostas - em relação a alguns equívocos que teimam em se repetir ano a ano. Eis algumas:
1. Porque a maior parte das instituições de ensino não valoriza a sociologia, tanto em aspectos simbólicos quanto à alocação de carga horária? Há ainda um estranhamento em relação ao fato de a sociologia se colocar enquanto disciplina obrigatória nos currículos escolares. Tal fato pode ser comprovado pelas inúmeras tentativas em retirar a obrigatoriedade por parte de parlamentares ligados a uma elite conservadora e autoritária que não vê com bons olhos o apelo que a disciplina faz ao pensamento crítico. Infelizmente tal pensamento está presente no cotidiano escolar, expresso em discursos de inferiorização da sociologia diante de disciplinas há muito estabelecidas nos currículos, tanto por professores quanto por gestores que teimam em vê-la como disciplina decorativa, facilmente inteligível e que dispensa maiores esforços dos alunos no sentido de compreendê-la.
2. Partindo desse pressuposto, alunos assimilam tais preconceitos e passam a ignorar o potencial crítico-hermenêutico que a disciplina tem, e passam a vê-la com mera opinião, simples exercício de achismo. Procuro em sala de aula superar tais barreiras, mas elas foram historicamente construídas e infelizmente são reforçadas por pessoas que a princípio seriam responsáveis por construir uma educação integrada que valorizasse a reflexividade.
3. Sempre peço aos meus alunos que valorizem todos os tipos de conhecimentos e que, a medida que as referências vão se multiplicando, eles sejam capazes de buscar um sentido prático para o que se aprende na teoria, consolidando assim assim sua bagagem intelectual. Infelizmente o que se vê é uma desorganização generalizada que se reflete no desespero pré-Enem, em que se confunde quantidade (material, horas e horas de revisão, noites mal dormidas, questões resolvidas, bizus, etc.) com qualidade. Vivemos um processo de especialização precoce, pois os alunos do ensino médio já escolhem a quais disciplinas se dedicar de acordo com o curso almejado. Eles só esquecem um detalhe: o Enem cobra tudo, e não de forma compartimentada, como alguns teimam em ensinar, mas de forma INTEGRADA!!! Então, aquele aluno que foi a todas as aulas de redação e faltou a quase todas de sociologia com certeza aprendeu técnicas para uma boa escrita, mas esqueceu outra coisa: escrever o quê, "cara pálida"? Cadê o conteúdo?
Pra encerrar, gostaria de compartilhar minha alegria quando na manhã de hoje minha prima adolescente, que sonha em ser arquiteta, me pediu pra ler sua redação e dizer o que achava. Há tempos não lia algo tão bom escrito por alguém da idade dela. Fiquei maravilhado ao perceber que aos poucos jovens como ela se tornam capazes de pensar de forma complexa e integrada. De certa forma, renovei minhas esperanças nessa moçada. Enquanto professor de sociologia, não vou ficar lamentando sobre o que já pontuei, mas tenho o dever de reivindicar a todos que de alguma forma constroem a educação no Brasil: SENHORAS E SENHORES, MAIS RESPEITO POR FAVOR!!! Pela sociologia enquanto disciplina, pela EXTREMA NECESSIDADE DE DIÁLOGO entre os mais diversos saberes, pela transdisciplinaridade, pela necessidade de um ensino médio integrado de fato, que dê oportunidade aos nossos alunos de ingressarem em universidades (se assim desejarem) como protagonistas e não como analfabetos funcionais. Aos alunos, em especial, peço que amém tanto a busca quanto a construção do conhecimento, que se sintam provocados e que provoquem, não com indisciplina, mas com a sede de querer sempre mais. É o mínimo que espero de vocês.

*Marcus Vinícius Martins Barbosa: Professor de Sociologia do Instituto Federal do Piauí - Campus Floriano.